Arquivo para outubro \28\-03:00 2011

O Palhaço

Se em Feliz Natal, Selton Mello optou por uma história mais intimista e hermética ao grande público, em seu novo filme, O Palhaço, que estreia nesta sexta, ele se esforça para se libertar deste mal, buscando um caminho que dialogue melhor com estas mesmas pessoas, de quem é ídolo. O diretor, desta vez, protagoniza o longa, sendo capaz assim de facilitar a identificação dele com o filme. Mais do que isto, o ator parece sofrer do mesmo mal de seu personagem, que vive uma crise existencial e precisa se reencontrar.

Benjamin, vivido por Selton, é um palhaço do circo Esperança, onde se apresenta ao lado de Valdemar (Paulo José), seu pai. Perfeccionista, o jovem toma para si a responsabilidade do local, mas não suporta o peso que ele mesmo tenta carregar. Enquanto o pai goza o que lhe resta da vida, ao lado de uma mulher bem mais nova, o filho não sabe aproveitar os pequenos momentos de felicidade que lhe aparecem.

Deprimido, o palhaço decide, então, abandonar o circo para descobrir qual é a sua verdadeira vocação. Se antes ele precisava se desdobrar para cuidar do bem-estar e das necessidades de cada um dos artistas, desta vez ele tem que aprender a tomar conta de si mesmo, algo que nunca lhe sobrara tempo de fazer. Sem ao menos um documento de identidade, Benjamin sai à procura de um emprego normal e de uma mulher que fique ao seu lado. Mais do que isto, ele faz uma grande busca interior, para saber quem é ele de verdade, o que nunca havia questionado antes.

Apesar de não ser incomum, a ideia de um palhaço com crise de depressão parece interessante para um filme, e causa certa curiosidade saber o que uma figura conhecida como Selton Mello pode fazer com este tema. Mesmo com muitos momentos engraçados e emocionantes ao longo da trama, no entanto, o resultado final é lento e maçante. A história se arrasta e parece não chegar a qualquer lugar que já não tenha estado. O filme, aliás, sofre do mesmo mal de Muita Calma Nesta Hora, que se apoia em esquetes de humor, com participações especiais, enfraquecendo o roteiro.

O Palhaço, no entanto, é superior à comédia de Felipe Joffily. Com atuações esplêndidas, principalmente pelas figuras do veterano Paulo José e da novata Larissa Manoela, que não se intimida em roubar a cena em diversos momentos no papel da pequena Guilhermina, o drama ainda conta com uma bela fotografia e uma inspirada trilha musical, que resgata canções bregas ao mesmo tempo em que apresenta novidades que se encaixam com maestria nas cenas. A escolha dos cenários ainda mostra um Brasil pouco conhecido, do interior de Minas Gerais, tornando o filme ainda mais interessante visualmente.

Uma das cidades filmadas, Passos, é a terra natal do agora diretor Selton Mello, o que deixa ainda mais claro o caráter auto-referente do filme. Se o personagem de Paulo José sabe com clareza que “o rato come queijo, o gato bebe leite e eu sou um palhaço”, tanto Benjamin, quanto o próprio Selton, parecem ainda não ter certeza do seu lugar. Sucesso de bilheteria em obras como A Mulher Invisível, Selton parece tentar negar seu talento para trabalhos mais populares, tentando criar algo mais intimista, mais artístico, sem com isso agradar nem quem prefere um cinema autoral, nem o consumidor do blockbuster. O nome do circo, no entanto, dá um sinal de que nada está perdido para a nova carreira de Mello, e O Palhaço, com seus problemas, já indica que o cineasta está mesmo no caminho certo.

 

Assista ao trailer:

O Palhaço (2011, Brasil)
Direção:
Selton Mello
Roteiro: Selton Mello
Elenco: Selton Mello, Paulo José e Larissa Manoela
90 Minutos

Os Três Mosqueteiros (The Three Musketeers)

Apenas com um pouco de atenção à ficha técnica da nova versão de Os Três Mosqueteiros já é possível saber o que esperar deste novo filme de Paul W.S. Anderson. A história de D’Artagnan e o trio de herois, escrita originalmente por Alexandre Dumas, já é de alguma forma conhecida pelo grande público, o que diferencia aqui é como foi feita a adaptação para esta obra em terceira dimensão pelo cineasta conhecido por longas como Alien vs. Predador e Resident Evil.

No filme, somos apresentados aos já cansados Athos, Porthos e Aramis, que não tem mais um grande ideal para defender como no tempo em que eram idolatrados como os mosqueteiros do rei da França. Após serem enganados pela Milady de Winter (Milla Jovovich), em uma armação de Buckingham (Orlando Bloom), o trio tem ainda menos motivos para tentar reviver os seus tempos de herois. Preferem então viver uma boa vida, regada principalmente a vinho.

Tudo muda com a chegada do jovem e impetuoso D’Artagnan. Sem medo e com uma grande habilidade para arrumar problemas, o garoto tem como maior objetivo se tornar um novo mosqueteiro, como seu pai já foi um dia. Sua chegada em Paris coincide com um plano do Cardeal Richelieu (Christoph Waltz) para tomar o trono da França. Com o apelo da Rainha, que percebe que corre perigo, os três mosqueteiros agora têm algo que os mova, em uma missão que contam com D’Artagnan a seu lado pela primeira vez.

Pelo diretor e pelo tema, já é possível saber que se trata de um filme com muita ação e efeitos especiais. Ainda a presença de sua mulher, Milla Jovovich, no elenco, garante que o longa terá muitos momentos de bastante sensualidade. Em uma das cenas, em que Milady pratica um de seus maestrais roubos contra a Rainha, é difícil não fazer qualquer comparação com a atuação de Catherine Zeta-Jones em Armadilha. Mais de dez anos depois, Milla repete a cena interpretada pela atriz inglesa com quase o mesmo nível de sensualidade, mas uma dose a mais de adrenalina.

Não apenas a presença de Paul e sua mulher Milla que deixa subentendido o que se esperar do filme. Há também a curiosa constatação de que os vilões são atores muito mais conhecidos dos que os que fazem o quarteto de protagonistas. Além de Jovovich, os herois ainda têm que enfrentar gente como Orlando Bloom, Mads Mikkelsen e Christoph Waltz, que mantém o nível do longa se não alto, em uma boa média, com boas atuações e o carisma necessário para segurar a atenção do espectador. Bloom, ainda, deixa óbvia a opção de Anderson em pegar emprestado um pouco do universo de um outro sucesso das telas, a série Piratas do Caribe.

Claro que uma cópia nunca tem o mesmo sabor do original, mas isto não significa que Os Três Mosqueteiros seja um grande desperdício. O filme entrega ao espectador exatamente o que se propõe, um longa de ação, baseado em uma história clássica, com o poder de sedução de uma bela atriz e a presença de grandes atores já reconhecidos como bons vilões. Porém, não vai além disso. Quem quiser ter uma diversão rasa, encontra um bom entretenimento, e ainda tem a expectativa de, logo mais, poder ver nas telas a sua continuação, o que não deve demorar a chegar.

Assista ao trailer:

Os Três Mosqueteiros (The Three Musketeers, 2011, EUA/Inglaterra/Alemanha/França)
Direção:
Paul W.S. Anderson
Roteiro: Alex Litvak e Andrew Davies
Elenco: Milla Jovovich, Orlando Bloom e Christoph Waltz
110 Minutos

Capitães da Areia

A criança é e sempre foi um dos símbolos maiores de esperança no futuro, mas o que dizer daquele menino ou menina de rua, de quem pouco se acredita que exista algum porvir? É exatamente sobre os sonhos e desilusões destes que trata o romance Capitães da Areia, de Jorge Amado. Nas telas dos cinemas, a história chega como uma homenagem ao centenário do autor feita por sua neta, Cecília Amado, que mostra ter um cuidado especial com os personagens do avô, ao mesmo tempo em que deixa claro que não está neste papel apenas por seus laços sanguíneos, mas porque tem capacidade para o posto.

Na Salvador dos anos 50, um grupo de meninos de rua vivia sua própria sociedade sob a liderança do ousado Pedro Bala. Ladrões, malandros, espertos, os garotos aproveitam tudo o que podem da cidade que os excluiu, e sabem que têm que proteger uns aos outros para se manterem como um grupo forte, os temidos Capitães da Areia. Ao lado de Bala, para armar os planos, o bando conta com a sabedoria do Professor, um jovem que tem a convicção de que seria um grande artista, não fosse um bandido. E é com a certeza de que são foras-da-lei, que eles sobrevivem e superam seus problemas.

A vida do grupo, no entanto, fica tumultuada com a presença de Dora, que acaba de perder seus pais vítimas de um surto de varíola. Levada para junto ao grupo pelo Professor, a menina causa desentendimentos, já que nunca se aceitou mulheres entre os capitães. Alvo do desejo de muitos dos garotos, ela também faz despertar o amor tando em Bala como no Professor, e ainda assim tem uma relação quase maternal com outros meninos. Além dos problemas dentro do grupo, os garotos ainda enfrentam a disputa com um outro grupo de menores e o cerco da polícia, que tenta deter os famosos capitães.

Vistos sob a ótica do dia a dia em uma grande metrópole, gente como os personagens do filme são somente bandidos, criminosos que nasceram já com o dom da maldade. Aqui, no entanto, o ponto de vista é outro, é possível viver a rotina deles. Quando Dora chega ao grupo, e é recebida com violência, o Professor faz questão de desfazer a primeira impressão, são todos bons meninos. Eles roubam, enganam, trapaceiam, e até usam da força, mas apenas por questão de sobrevivência. A menina, esperta, logo diz a todos a verdade óbvia, eles são apenas crianças que pensam que são homens.

Se Jorge Amado foi mestre ao fazer cada personagem bastante carismático, apesar de seus defeitos, Cecília soube passar isso ao longa, principalmente na escolha dos desconhecidos atores. No entanto, mesmo que a história do livro seja boa, falta alguma coesão na tela. Com uma narrativa bastante fragmentada, o filme talvez funcionasse melhor dividido em episódios independentes em alguma série. Como a intenção foi o cinema, o resultado perdeu um pouco de seu peso.

Para compensar os problemas no texto, o filme conta com boas atuações, que consegue facilmente propôr um clima misto entra a fantasia e o drama. Se por vezes a fotografia parece um tanto careta para remontar a década de 50, em muitos momentos há cenas que surpreendem pela beleza, como quando os capitães estão em um parque de diversões. A trilha sonora, ainda, realizada por Carlinhos Brown, foge do óbvio mas consegue uma integração envolvente com as imagens.

A beleza e os defeitos do filme, fazem com que o espectador perceba a beleza e os defeitos desses meninos, desses Capitães da Areia. Cecília Amado consegue, ao seu modo, enxergar e apresentar em seu filme aquilo que há de bonito na miséria, já que é bobagem pensar que só se vive daquilo que é bom, mas que não custa nada sonhar. E é aí que o longa-metragem chega com o seu maior mérito, que é mostrar que apesar das adversidades, mesmo essas crianças de rua ainda tem o principal, a esperança.

Assista ao trailer:

Capitães da Areia (2011, Brasil)
Direção:
Cecília Amado
Roteiro: Cecília Amado e Hilton Lacerda
Elenco: Jean Luis Amorim, Robério Lima e Ana Graciela